segunda-feira, 12 de maio de 2008

O EPICURISMO
Uma filosofia num período de descrédito filosófico


Marcos Roberto Damásio da Silva[1]

"Rumina contigo mesmo, dia e noite, estas argumentações e outras ainda semelhantes a elas, discute também com quem está próximo de tuas posições" (EPICURO, Carta sobre a Felicidade (A Meneceu)).


Os contextos histórico, social e político, influenciaram fortemente para o surgimento do epicurismo. Tal filosofia surge de um período de decadência e de um sentimento pessimista da vida em sociedade. O intenso desgaste proveniente de sucessivas guerras entre as ligas do Peloponeso e de Delos, encabeçadas pelas cidades-estados Esparta e Grécia, levou ao fracasso de ambos os povos, facilitando a invasão helênica e a conquista dos exércitos de Alexandre Magno. Isso provocou tanto o descrédito de antigas correntes filosóficas, como o nascimento de outras, como o Epicurismo, Estoicismo e o Ceticismo.
A expansão do helenismo (palavra derivada de EllaV, o nome grego da Grécia), influenciou o mundo de então trazendo extremas influencias tanto na língua como na cultura. Mas foi após a morte de Alexandre que se estabelece uma instabilidade política e social. A morte de Alexandre e a divisão de seu império entre seus generais trouxeram tanto uma extensa fragmentação, como também culminou na expansão dos romanos, que absolveram muito da cultura helênica.
À Epicuro
[2] (341-270 a.C) creditava-se a primeira das grandes escolas helenistas. O epicurismo é a corrente filosófica cujas bases estabelecem que o objeto central do ser humano é a busca da felicidade. Seu pensamento foi muito difundido e numerosos centros epicuristas se desenvolveram na Jônia, no Egito e, a partir do século I, em Roma, onde Lucrécio foi seu maior divulgador. Dos textos de Epicuro que permaneceram até hoje são: Epístola a Heródoto, Epístola a Pítocles e Epístola a meneceu. A primeira trata da fisica, a segunda dos fenômenos celestes e a terceira da felicidade, ou dos meios para alcansá-la.
A filosofia de Epicuro se divide em três partes fundamentais: a canônica (kanwnikoz), a física (fusikon) e a ética (eqikon). O termo kanônikon deriva de Kanon
[3], que significa “padrão, regra”. Descreve os critérios de validade que o sábio utilizará para escolher o que é verdadeiro ou falso, para com isso ser de fato feliz. quatro são os critérios epicuristas: a sensação (a;isqhsij), a antecipação (prolhpsiz), a afecção (paqoz) e a apresentação intuitiva da realidade.
Na física, ele se utiliza dos termos parmenidicos ser e não-ser, e introduz a ideia de átomos como ser, e vazio como o não-ser. Os átomos são partículas infinitas, indivisíveis e eternas (já que a natureza sempre existiu) que estão eternamente em constante movimento. É o vazio que garante o movimento. A physis sempre existiu e é regida pelo movimentos dos átomos que se unem constantemente formando a realidade. A diversidade de seres se explicam pela diversidade de átomos, que são eterogenios, isso é, se movem com a mesma velocidade mas possuem qualidades, pesos, formas e tamanhos diferentes.
Acreditava o filósofo, que essa concepção atomista poderia garantir a liberdade humana e a tranqüilidade do espírito. No sistema epicurista, os átomos se encontram casualmente e esta é a grande modificação em relação ao atomismo de Demócrito (onde o encontro dos átomos é necessário). É este encontro acidental que garante a liberdade (se assim não fosse, tudo estaria sob o jugo da physis) e a explicação dos fenômenos, sua elucidação, fazendo com que possam ser explicados racionalmente. Assim, ao compreender como opera a physis, o homem pode livrar-se do medo e das superstições que afligem o espírito.
A doutrina de Epicuro entende que o sumo bem (termo aristotélico) reside no prazer e, por isso, foi uma doutrina muitas vezes confundida com o hedonismo
[4]. O prazer de que fala Epicuro é o prazer do sábio, entendido como quietude da mente e o domínio sobre as emoções e, portanto, sobre si mesmo. É a própria physis que nos informa que o prazer é um bem:

“Com efeito, não são os simpósios ou os banquetes contínuos, o aproveitar de jovenzinhos e mulheres, ou o peixe e tudo que pode oferecer uma rica mesa que levam a uma existência feliz, e sim uma límpida capacidade de raciocínio que esteja consciente de cada aceitação e de cada rejeição e elimine a vacuidade das opiniões, pelas quais a pior das pertubações surpreende a alma” (EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Trad. e apresent. de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: UNESP).

Este prazer, no entanto, apenas satisfaz uma necessidade ou aquieta a dor. A physis conduz a uma vida simples. O único prazer é o prazer do corpo e o que se chama de prazer do espírito é apenas lembrança dos prazeres do corpo. O mais alto prazer reside no que se chama de saúde. A função principal da filosofia é libertar o homem.
Um outro conceito bastante importante na análise do pensamento de Epicuro é o conceito de Moral
[5]. Mas como estender uma moral dentro do pensamento epicurista Já que o homem se individualiza visando o retorno a physis? Em Epicuro o homem deixa de ser homem-cidadão para ser homem-indivíduo, onde o único elo entre os homem seria a amizada. Chegou a afirmar: “De todas as coisa que a sabedoria busca, em vista de uma vida feliz é a amizada”. Mas uma análise desta proposta de se viver em um jardim com discípulos e amigos intimos, leva a idéia de um convívio em comunidade, logo regras naturais se estabeleciam, não havendo uma moral absoluta, está imposto um convívio de respeito e armonia em prol da felicidade.
A filosofia epicurista marca um retorno a physis e um rompimento com a metafísica predominante no período classico, e remetendo tudo a matéria. A causa meterial é novamente observava na concepção ontológica. Enquanto desde Parmênides a Platão e Aristóteles se deslumbrava a idáia como esencial para compreenção da realidade, Epicuro retorna a Tales e aos pré-socráticos que buscavam na própria phisys um princípio originário causador de toda realidade existente. Na idéia de átomo e vazio, também esta contida o desvelamento encontrado nos contrários difundido por Tales de Mileto. A ontologia de Epicuro não foge ao labor filosófico do homem grego, a pergunda primordial é feita e respondida de forma filosófica.
A crítica que deve ser feita é: qual o valor da cultura e da história humana, se a busca da felicidade individual é posta como a importancia primeira do homem? Em nunhuma outra escola filosófia desde o rompimento com a teologia, se pensou tão negativamente em relação ao homem. No rompimento com a dialética platônica e com metafísica aristotélica, se instaura uma nova contemplação da physis, e a negação do kínesis transformador já definido desde Heráclito (o vir-a-ser), Platão (a assece do mundo do mundo das aparências) e Aristóteles que introduz as concepções de ato e potência que constitui o movimento. O movimento entendido por Epicuro não passa de uma movimentação atômica entre ser (átomo) e não-ser (vazio). Mas nunca um processo de desenvolvimento histórico-social.
A filosofia do jardim é uma relação de reconhecimento na identidade, nagando inteiramente a alteridade que deve ser o âmbito do florecimento da felicidade e do bem, o homem constroi a felicidade visando o outro, o bem-estar do diferente na sociedade e não no isolamento misântropo. No epicurismo o homem é solapado e reduzido.

NOTAS:
[1] Bacharelando em Teologia pelo Seminário Teológico Congregacional do Nordeste (STCN), e em Filosofia Pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
[2] Nascido na Ilha de Samos, no mês de Gamelion (equivalente aos meses de Dezembro e Janeiro do calendário grego).
[3]Kanwn, Originalmente significa uma “vara reta” ou uma “vara de medir” usado como uma régua, um instrumento de medição. Kanôn também expressa uma compilação verdadeira ou válida, e, é nesse sentido que é usado o termo em Epicuro.
[4] Do grego hdonh,, “prazer, deleite” usado acerca da satisfação do desejo natural. Para Epicuro, prazer é a ausência de dor, e aqui já difere do conceito hedonista.
[5] Do lantim morale, “relativo aos costumes”. Para os gregos eqoz. Denota “costume, uso, rito ou cerimônia, hábito, modo, um corpo de regres a serem observado”. O éthos sempre esteve presente nos escritos gregos.

sexta-feira, 2 de maio de 2008


O OBJETO CATEGORIAL EM HUSSERL



Dr. Luiz Manoel Lopes*




A distinção básica a ser feita quando se trata de explicitar o que vem a ser objeto categorial é, antes de tudo, apontar para uma definição negativa: o objeto categorial não é um objeto sensível; e, por não sê-lo somente pode ser um objeto de ordem inteligível, mas esta inteligibilidade decorre justamente do caráter que a consciência possui de operar sínteses; o objeto categorial pode ser chamado também de objeto sintático, devido ao poder que a consciência possui de ordenar um sujeito a um predicado. A consciência possui o poder de ordenar um sujeito e um predicado. Husserl, ao fazer a distinção entre intenção significativa e intenção intuitiva (intuição), mostrando que a intuição é o preenchimento da intenção significativa, sinaliza para a síntese que se dá entre dois objetos sensíveis. Tal síntese, porém somente ocorre porque o a consciência intencionalmente une um sujeito a um predicado. O objeto categorial somente aparece quando no juízo se faz uma afirmação; no exemplo: o prado está florido, temos o prado e as flores; mas, a afirmação de que o prado está florido somente aparece como uma ligação que a consciência é capaz de fazer. Tal exemplo, remete, salvaguardando as devidas diferenças, para o que os antigos filósofos estóicos compreendiam como sendo o significado. Quando um grego conversava com um bárbaro e dizia a palavra kuon (cão) e o segundo não entendia, algo que não era nem palavra e nem coisa impedia a conversação. O som, a palavra, kuon, o significante, não era difícil de ser ouvido e compreendido pelos dois; a coisa designada como cão, também era passível de ser apreendida pelos dois; no entanto, os mesmos não se entendiam justamente porque o significado, situado entre os dois, não permitia tal comunicação. O significado, nos estóicos, não possui o estatuto de coisa corpórea e nem muito menos de um traço verbal ou lingüístico. Trata-se de um incorpóreo que não se confunde com o significante e nem com a coisa designada.
Husserl, ao estabelecer o estatuto do objeto categorial, tem o cuidado de apresentá-lo como sendo constituído pela consciência e, tal atividade deixa em relevo que as sínteses que a consciência opera é nada mais nada menos do que um poder de unificação. Quando o juízo que afirma que “o prado está florido” se dá, não temos mais dois objetos sensíveis, o prado e as flores, e sim um estado de coisas. Tal estado de coisas somente aparece pela consciência.
A consciência, na verdade, somente unifica e opera sínteses porque o indivíduo é constituído por singularidades as quais são sintetizadas através de um campo problemático onde elas transitam em dispersão, em disparation.
O que resta saber é se a consciência, em Husserl, tendo o poder de unificar e operar sínteses, ainda irá manter a exclusão de predicados; mas, mesmo que almejássemos que não, mesmo assim isto seria impossível. Porque o objeto categorial, sendo pensado como não sendo sensível, no entanto, possui a forma de objeto sensível. A exclusão de predicados aparece atrapalhando que este seja pensado como acontecimento. A determinação de uma coisa a impede de se tornar acontecimento; quando uma coisa se abre para todos os predicados possíveis, ela deixa de ser coisa e se torna acontecimento.





* Possui graduação em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1994), mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (2002) e doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (2006). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia, atuando principalmente no seguinte tema: acontecimento, campo transcendental e as sínteses disjuntivas em Deleuze; a duração em Bergson; os objetos impossíveis em Meinong; as proposições em si em Bolzano.