sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Resumo apresentado no XI Seminário de Filosofia da FAFIC (Cajazeiras-PB)

"Filosofia e Realidade"

A RELAÇÃO ENTRE PSYCHÉ E PERCEPÇÃO SENSÍVEL NA FILOSOFIA DE EPICURO

Marcos Roberto Damásio Da Silva[1]
Orientador: Patrick de Oliveira Almeida[2]
Universidade Federal do Ceará

O presente texto deter-se-á na noção epicúrea de psyché e sua importância para a percepção sensível. Epicuro dedica os §§ 63-68 da Carta a Heródoto para tratar da noção de psyché. Para ele, assim como para os filósofos clássicos, sobretudo, Platão e Aristóteles, a psyché é admitida como invisível (ádelon), diferenciando-se do que aparece (phainómenon). Por outro lado, os filósofos clássicos pensam a psyché como um princípio metafísico destituída de qualquer substância sensível. Já Epicuro a define como um agregado (athroísma) de átomos diferenciados dos demais que compõem a realidade tangível. Em suas palavras: “a alma é corpórea” (hé psiché sóma) e “constituída de partículas sutis” (leptomerés). A “natureza da alma” (psychés phýsin) assemelha-se ao sopro (pneuma), ao calor (thermóter) e a uma terceira parte inominável (akatonomáston). Portanto, a psyché é um corpo imiscuído num outro corpo (sóma), sendo esta relação fundamental para se perceber a realidade. Epicuro atribui à psyché o papel mais importante no processo de percepção. Para ele é a psyché que possibilita o corpo sentir, ela traduz percepções sensíveis em pensamentos, atribuindo valor real às coisas externas. As percepções sensíveis são verdadeiras mediante a apreensão direta das imagens (eídolas), tal processo culmina na “tradução” de sensações em pensamentos, isto é, em “representações mentais das coisas” (prolépseis), ou o que Epicuro chama de antecipação. A faculdade de sentir é própria da psyché e não intrínseca ao corpo “o corpo não possui em si mesmo tal faculdade”, mas a este, cabe a recepção das imagens que se projetam dos corpos externos (epibolé), proporcionando os meios necessários para a psyché sentir. A percepção, como é pensada por Epicuro, é um processo de projeção e recepção dos microcorpos (týpoi) que se desprendem dos objetos (hypokeímenon) e são conhecidos na psyché. Desde os pré-socráticos a noção de movimento (kínesis) é elucidada e constitui o conceito primordial da phýsis. No homem esse movimento é atestado pela “faculdade da psyché” (dýnamis tés psychés). Essa dýnamis ou “função vital” atribuída à psyché é o que possibilita a percepção sensível, em outras palavras, é a “cinética” da alma que confere vida ao corpo.

Palavras-chave: Psyché. Realidade. Movimento. Percepção.

[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri. Juazeiro do Norte, Ceará. e-mail: Damásio_ufc@hotmail.com.[2] Professor Assistente da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri. Doutorando em Filosofia no Programa de Doutorado Interinstitucional das Universidades UFPB, UFPE e UFRN.

domingo, 14 de junho de 2009

O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA
EM KARL POPPER

Marcos Roberto Damásio da Silva[1]


RESUMO:

O Presente trabalho deter-se-á ao problema da Demarcação no racionalismo crítica do filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994). Na pesquisa serão apresentadas dentro do contexto filosófico-científico, as propostas de Popper no tocante ao critério de demarcação. Popper proporá critérios lógico-epistêmicos para o problema por ele julgado como o principal problema do conhecimento científico, isto é, o problema da indução também conhecido como o problema de Hume. O positivismo lógico do Circulo de Viena e seu princípio de verificabilidade também será criticado por Popper. Para que se alcance sucesso em tal empreendimento será usado como base para pesquisa o texto: POPPER, Karl. A Lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Cultrix, 2002.

Palavas-chave: Demarcação, indução, falseabilidade

01. INTRODUÇÃO

O problema da Demarcação no racionalismo crítica de Karl Popper configurará o propósito desse trabalho. Na presente pesquisa, as propostas de Popper no que se referem ao critério de demarcação, serão apresentadas respeitando o contexto filosófico-científico. Popper proporá critérios lógico-epistêmicos para o problema por ele julgado como o principal problema do conhecimento científico, isto é, o problema da indução, também conhecido como o problema de Hume. O positivismo lógico do Circulo de Viena e seu princípio de verificabilidade também será criticado por Popper.
O mundo em que Karl Popper viveu foi o período da consolidação das ciências, um período bastante otimista no progresso científico. Também os resultados da revolução industrial inglesa do século XVIII, pareciam aflorar principalmente no âmbito produtivo e material. Esse momento foi de suma importância para o “dogmatismo científico”, ou seja, a crença tal na ciência em que tudo poderia ser explicado pela ciência, essa postura elevou a ciência e a tecnologia acima de todos os outros saberes, principalmente o saber metafísico derivado da filosofia racionalista iniciada desde Platão e alcançando seu grau máximo de racionalismo com o filósofo francês René Descartes.
Foi com Popper que a ciência encontrou seus limites de forma mais definida. Na ótica de Popper a ciência produz teorias falseáveis, que só poderão ser validadas enquanto não forem refutadas. Para Popper um enunciado científico só tem validade enquanto outro não o contradiga, em outras palavras, não há para Popper, enunciados tidos científicos, definitivos, isto quer dizer que todo enunciado deve ser submetido a teste, como também em princípio, passivo de refutação pelo falseamento.
A filosofia de Popper preocupa-se basicamente com a questão do conhecimento, isto é, com a epistemologia. Mas sua obra não versa apenas sobre as formas do conhecimento científico, ele foi também um filosofo político e social. Mas foi no âmbito da filosofia da ciência que Popper se destacou como um dos maiores pensadores da ciência do século XX. Popper foi um ferrenho crítico da ciência, para ele, todo conhecimento é falível e passivo de correções. Na Lógica da pesquisa científica (Logic der Forschung), Popper empreenderá sua crítica ao positivismo lógico do Círculo de Viena.
Vale salientar que o termo racionalismo crítico foi cunhado pelo próprio Popper e já demonstra sua tendência em rejeitar em partes o empirismo clássico. Já no primeiro capítulo de sua Lógica da pesquisa científica, Popper faz menção a tarefa do teórico “analisar o método das ciências empíricas”
[2]. O problema da indução é o primeiro a ser salientado e criticado por Popper. Para o indutivismo, enunciados “singulares” ou “particulares” levaria necessariamente a verdades “gerais” ou “universais”. Popper rejeita essa forma de se fazer ciência, mas admite certo grau de “confiabilidade”, ou seja, inferências indutivas são “inferências prováveis”.
Karl Popper, já de início deixa explícito seu projeto. Para ele, o cientista tem como tarefa a formulação de “enunciados ou sistemas de enunciados”
[3], como também a verificação de todos os seus postulados, isso vale tanto para o cientista teórico como também para o experimenta. As ciências empíricas então na mira de fogo do filósofo. Sua empreitada é árdua, mas bem definida:

A tarefa da lógica da pesquisa científica, ou da lógica do conhecimento, é, segundo penso, proporcionar uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas[4].

02. O CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO

A tarefa filosófica de Karl Popper em muito se assemelha a de Immanuel Kant, demarcar critérios para uma distinção entre ciência e especulação metafísica, em outras palavras, “separar ciência de não-ciência”. A distinção mais preponderante entre ambos é a negação do apriorismo da parte de Popper. A demarcação é, portanto, dar limites ao projeto científico. O projeto científico que Popper faz alusão na Lógica da Pesquisa é o conceito de ciência postulado pelo positivismo lógico do Circulo de Viena. Para uma melhor compreensão do que Popper entende por problema da demarcação, nada melhor do que deixar o próprio Popper apresentar esse problema, a que ele se debruça, e que para ele é a sua objeção “mais séria”.

Denomino problema de demarcação o problema de estabelecer um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, de uma parte, e a matemática e a lógica, bem como os sistemas ‘metafísicos’, de outra[5].


Desde o empirista inglês David Hume (1711-1776), a indução é posta a prova. Os conceitos de causa e efeito constituem as bases da metafísica racionalista, e que após Kant passou a ser considerada uma metafísica ingênua. Kant é o filósofo que em sua filosofia pensa os limites da ciência de seu tempo, a saber, a ciência Newtoniana. Kant encontra-se entre o racionalismo indutivista e o avanço do novo modelo de ciência proposta por Isaac Newton. A física de Einstein esta para Popper como a física de Newton estava para Kant no século XVII. O “problema da demarcação” é para Popper o problema de Kant, assim como o “problema da indução” é o problema de Hume. Vale salientar, à guisa de introdução, que já no fim do período medieval Guilherme de Ockham volta-se à metafísica com cautela, e, sobretudo com alguns cortes, (daí a famosa teoria da “navalha de Ockham”), onde se pretende podar todo excesso metafísico. Mas Popper não tem as mesmas intenções que Hume em se tratando da metafísica, mas pretende aos moldes de Kant, estabelecer um “acordo”, ou uma “demarcação” entre ciência empírica e metafísica:

Meu critério de demarcação deve, portanto, ser encarado como proposta para que se consiga um acordo ou se estabeleça uma convenção[6]

A questão metodológica que distinguia a verdadeira ciência da pseudociência e da metafísica era caracterizada pela a observação e pelo método indutivo, já a “falsa ciência” como também a metafísica, caracterizavam-se pelo método especulativo fruto da lógica aristotélica. Toda teoria científica nascia da observação dos fatos e por eles eram verificados. Popper critica esse postulado da ciência, pois rejeita que os fatos possam fornecer por si só conhecimento científico, sem uma construção teórica[7]. Popper tratará a metafísica como uma instigadora das teorias científicas. Muitos exemplos podem ser tomados da história moderna a esse respeito, como por exemplo, a teoria copernicana que, não por observação de novos fatos, mas por consultar verdades metafísicas, moveu o sol para o centro do universo e pondo a terra a girar em torno dele. Tal intuição teria vindo de uma concepção platônica de que o Sol era o astro mais importante? A teoria do conhecimento como apresentada por Popper tem em seu bojo ainda uma consideração pela a especulação metafísica, embora ele não admita ser ciência, também não deseja sua ruína.

Contrastando com esses estratagemas antimetafísicos – antimetafísicos em intenção, quero dizer – meu objetivo, tal como o vejo, não é o de provocar a derrocada da metafísica[8]

A teoria do conhecimento é, sobretudo, a preocupação principal de Popper. Suas investidas propõem critérios lógico-epistêmicos para solucionar o problema que ele julga ser o principal problema do conhecimento científico, a saber, o problema da demarcação que historicamente foi chamado de “o problema de Hume”, por ter sido este o primeiro a levantar duvidas à relação de causa e efeito. O problema para Hume, como também para Popper e a ausência de necessariedade das relações entre os enunciados “particulares” e enunciados “universais”. A indução só pode garantir comprovação que enunciados particulares leva a enunciados universais apenas no presente, mas não pode garantir que sempre será assim. A falseabilidade, portanto, é para Popper a solução do “problema da indução”. “O critério de demarcação proposta leva-nos, ainda, a solução do problema da indução, tal como colocada por Hume”[9]. Essa solução não permite mais que enunciados singulares levem a enunciados universais, mas a harmonia entre verificabilidade[10] e falseabilidade permite, segundo Popper, “ser contraditados pelos enunciados singulares”[11].
A partir dessa constatação, ou seja, que “independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos”
[12], é que Popper introduz o que ele chama de falseabilidade. A falseabilidade é na verdade um processo de confronto entre a teoria aceita e a observação, atribuindo valor científico apenas aquelas teorias que se mostrem à prova, que possam ser refutáveis:

Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deva ser tomado como critério de demarcação, não há verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema.[13]

A falseabilidade é o critério de demarcação científica proposto por Popper. Uma teoria para ser cientificamente aceita ela precisa ser criticada, exposta a “críticas de todos os tipos”, e, sobretudo resistir firme as críticas. Diferentemente das falsas ciências, e até mesmo da metafísica que não podem ser testadas e refutadas. As teorias científicas devem admitir que “nunca são empiricamente verificáveis”[14]. Este caráter falseador de uma teoria verdadeiramente científica corrobora com a atividade crítica, permitindo o avanço do conhecimento científico, garantindo assim a eterna permanência do exercício crítico-científico.
O caráter irrefutável de uma teoria ainda é para muitos pensadores e cientista indutivistas prova de veracidade inquestionável da teoria. Esta tese ainda se mantém ávida nos redis acadêmicos. Estas posturas, aparentemente, podem levar à incorrência da quebra do princípio de não-contradição, ou seja, pode ser postulado por dois teóricos, duas teorias contrárias e irrefutáveis, isto é, que não são abertas a críticas e a refutações devido sua ausência de “empiricidade”, mas ambas não podem ser verdadeiras, uma necessariamente exclui outra.
Portanto, para Popper, as teorias científicas são construtos humanos, isto é, convicções subjetivas, conjecturas provisórias sujeitas a reconstruções e, sobretudo, presa a pressuposições. A intenção de um cientista que cria suas teoria é compreender e descrever o mundo, “Entretanto, o sistema que se denomina ‘ciência empírica’ pretende representar apenas um mundo: o ‘mundo real’, ou o ‘mundo de nossas experiências’”
[15].

03. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos sintetizar a tarefa filosófica de Karl Popper como uma crítica direcionada ao positivismo lógico do Circulo de Viena o qual tem o princípio de verificação como arma fundamental contra a metafísica e contra as falsas ciências. O método indutivo e sua discrição dos dados empíricos como verídicos a partir de inferências que são conduzidas de enunciados singulares ou particulares à enunciados universais são desprovidos de confiabilidade científica, ou seja, cientificamente falsos, incapazes de garantir cientificidade.
Por fim, a falseabilidade é o critério de demarcação usado por Popper para dar limites ao projeto científico e separar a verdadeira ciência da pseudociência e da metafísica. Uma tentativa de demarcação da ciência não é nova na história do pensamento humano, mas em Popper, o que se pode apresentar, portanto, como novidade é a noção de falseabilidade ou a admissão de que uma teoria para ser científica deve ser “julgáveis”.

05. NOTAS

[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri, Juazeiro do Norte, Ceará. Semestre 2009.1. E-mail: Damásio_ufc@hotmail.com. Blog: inclinacoesfilosoficas.blogspot.com.
[2] POPPER, Karl. A Lógica da pesquisa científica, p. 27
[3] Op. Cit., p. 27
[4] Op. Cit., p. 27
[5] Op. Cit., p. 35
[6] Op. Cit., p. 38
[7] Não se trata aqui da estrutura aprioristica apregoada por Kant na Crítica da Razão Pura, mas de uma postura contra o positivismo lógico do Circulo de Viena que tomava a metafísica apenas como uma especulação vazia e desprovida de sentido.
[8] Op. Cit., p. 38
[9] Op. Cit., p. 44.
[10] A verificabilidade é o critério de verdade para o “positivismo lógico” do Circulo de Viena. O Circulo de Viena buscava uma filosofia moderna e científica, para isso seria necessário varrer todo e qualquer postulado metafísico.
[11] Op. Cit., p. 43.
[12] Op. Cit., p. 28.
[13] Op. Cit., p. 42.
[14] Op. Cit., pp. 41-42.
[15] Op. Cit., p. 40.


04. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

POPRER, Karl, Conjecturas e Refutações, Tradução: Benedita Bettencourt, Coimbra: Editora Almedina, 2006.

_______, Karl, A Lógica da pesquisa científica, São Paulo: Editora Cultrix, 2002.BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. Tradução: Goodon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2007. 279 p.

AZEVEDO, Ivânio, Dissertação de Mestrado.

DUTRA, Luiz Henrique de Araujo. Introdução a Teoria da Ciência. 2 ed. Florianópolis: Ed. UFSC. 2003

sábado, 2 de maio de 2009

JOANNES BURIDANUS
(1295 – 1358?)

Marcos Roberto Damásio da Silva
[1]

1. Introdução biográfica


Filósofo aristotélico da Idade Média tardia, como também um clérigo francês natural de Béthume. Jean Buridan, nome latino Iohannes Buridanus (1295-1358) é tido por muitos como um dos mais influentes filósofos desse período. Não se sabe ao certo data nem local do seu nascimento, mas é muito provável que tenha nascido por volta de 1300 d. C na cidade de Béthune, na diocese de Arras na Picardia, França. Também a data de sua morte é incerta. Provavelmente ele tenha morrido em torno de 1358, mas certamente não viveu além do ano de 1361, quando um de seus benefícios foi repassado para outra pessoa.

Buridan teve toda sua educação em Paris, estudou no Collége Lemoine, onde foi favorecido, sendo concedido a ele um benefício para estudar como aluno carente. Formou-se em filosofia pela Universidade de Paris como discípulo do nominalista William of Ockham, sendo posteriormente nomeado docente de filosofia na mesma Universidade em 1328 d. C. Permaneceu na Universidade de Paris por aproximadamente trinta anos, vindo a assumir o cargo de reitor por duas vezes (1328-1340) e morreu em Paris.

Além de filósofo e lógico, foi cientista teórico em ótica e mecânica, em sua vida acadêmica, Buridano se ocupou principalmente do estudo da lógica e de fazer comentários sobre as obras de Aristóteles, provavelmente ele tenha comentado todas as grandes obras de Aristóteles. “Em acréscimo ao Organon inteiro, há comentários sobre a Physica, De caelo, De Geratione et Corruptione, De Anima, Meteorologica, Metaphysica, Ethica ad Nicomachum e outros”. No entanto, sua maior obra é o “Compêndio de Dialética” (Summulae de dialectica) composta por nove tratados.

Considerado um dos grandes filósofos da Idade Média, hoje é pouco estudado, como também muito pouco conhecido no mundo acadêmico contemporâneo, a quem afirme que sua falta de “popularidade” tenha sido provavelmente por conta dele ter sido um clérigo que não estava ligado a nenhuma das ordem religiosa de sua época, visto que quase todos os intelectuais do Período Medieval Clássico estiveram ligados à ordens religiosas como a dos Franciscanos e Dominicanos. Seu trabalho em explicar o “movimento de projéteis e objetos em queda livre, facilitou o caminho para a formulação da dinâmica de Galileu e para o enunciado do famoso princípio da inércia, de Isaac Newton”.

2. O Pensamento de Buridan

O pensamento de Buridan impactou grandemente a filosofia e as ciências de seu tempo, suas idéias se espalharam fortemente pelas partes mais distantes da Europa. Tanto seu nominalismo como também sua mecânica não se enclausuraram apenas em sua própria universidade, antes, através de seus alunos e de seus colegas de todo o continente foram difundidos. Paris foi dominada pela lógica nominalista de Buridano, e durante muitos tempos foi o centro de estudos no final da Idade Média.

Buridan é contado entre os nominalistas do século XIV, seu nominalismo toma diversas formas, isto é, tece críticas ao nominalismo aristotélico, minimizando o número de categorias aristotélicas, também nega a existência ontológica dos universais, e rejeita várias entidades abstratas, como, por exemplo, as proposições. O nominalismo na verdade pode aparecer de diversas formas dentro do pensamento filosófico medievalista:


Há vários tipos de nominalismo: os historiadores distinguem o ‘nominalismo de direita’ chamado de ‘histórico-crítico’ (Gregório de Rimini, Hugolino de Orvieto), o ‘nominalismo moderado’ chamado de ‘ockhamista’ ou ‘lógico-crítico moderado’ (Pedro de Ailly, Gabriel Biel) e o ‘nominalismo de esquerda’ chamado de ‘modernista’ ou ‘lógico-crítico radical’ (Roberto Holkot, Nicolau de Autrecourt, Adam Wodeham). Legitimamente classificado entre os nominalistas, João Buridano não é ockhamiano e seus discípulos, Alberto de Saxe ou Marsílio de Inghen, freqüentemente, opõem-se à Ockham.[2]


O “problema dos Universais”, embora esteja presente de forma embrionária na filosofia clássica, principalmente em Platão e Aristóteles, foi um problema primeiramente trazido para a Idade Média com a monumental obra de Porfírio de Tiro (233-305 d. C) “Isagoge”[3]. Essa obra foi direcionada ao Senador Romano Crisaório e trata-se de uma introdução as categorias de Aristóteles. Durante esse período onde se procurava responder o “questionário de Porfírio” nasce as duas escolas essenciais desse período: a escola realista e a escola nominalista. Os realistas, como o próprio nome já diz, tomavam os universais como entes reais, ontologicamente existentes, já os nominalistas atribuíam aos universais um valor apenas conceitual, ou seja, eram apenas nomes, conceitos.

No âmbito da física, Buridan abordou a questão da dinâmica, sobretudo debruçou-se sobre a causa dos movimentos. O empenho em estudar o movimento horizontal de um corpo, Buridan caracterizou o ímpeto como sendo proporcional à quantidade de matéria m e à velocidade v do corpo, o que se aproxima da noção moderna de “quantidade de movimento”. Analisou também a aceleração de corpos em queda, que ganhariam ímpeto à medida que caíssem. A explicação para o movimento através da teoria do ímpeto (impetus) substitui a noção aristotélica de lugar natural aos quais as coisas sempre tendem a retornar. Para Aristóteles tudo tem seu propósito inerente a sua natureza, uma pedra, por exemplo, sempre tornará a terra porque a terra é seu lugar natural, é a essa afirmação que a teoria do ímpeto vem se contrapor.

Para Aristóteles todo o movimento presume um motor diferente do corpo em movimento. Além desse “motor imóvel” o ar também é também fundamental para continuação desse movimento. O que isto quer dizer? Para Aristóteles, o “motor” que dá o impulso para a movimentação do corpo, uma mão por exemplo, quando atira uma pedra, não permanece na pedra até seu alvo, logo, o que permite a continuidade desse movimento? Dirá Aristóteles, o ar que rodeia a pedra. Mais uma vez Buridan critica Aristóteles, para ele o ar nada pode explicar. Apenas o contato com o ar não pode gerar movimento.

A iniciativa de Buridan em pensar o movimento a partir não mais das categorias aristotélicas leva a uma abertura para ciência moderna, como já foi salientado tanto a “dinâmica” de Galileu quanto o “princípio da inércia” de Newton. Fica portanto uma indicação para estudo, uma vez que esse filósofo ficou marcado pelo seu pensamento tão rico e de profunda importância.

NOTAS:
[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) – Campus Cariri. Juazeiro do Norte, Ceará. Semestre 2008.1. E-mail: Damásio_ufc@hotmail.com. Blog: inclinacoesfilosoficas.blogspot.com.
[2] DE LIBERA, Alain. A Filosofia Medieval. São Paulo: Loyola, 1998, p. 431.
[3] Eisagogé, Termo grego que significa “introdução”.